sexta-feira, 30 de setembro de 2011

LEGISLAR OU NÃO LEGISLAR?

A semana na Câmara de Vereadores do Rio


A semana, na Câmara do Rio, foi produtiva para muitos.  Ontem, em sessão extraordinária, foram aprovados dezenas de projetos de lei.  Mas, para o bem da população, a maioria deles sem qualquer repercussão em suas vidas. 

A quase totalidade foi de projetos que conferem medalhas ou títulos honoríficos, ou marcam, no calendário da cidade, dias de homenagens – como o “dia de jejum e oração” (confira a pauta).

Isto é bom ou ruim? 

Acho neutro. Porque, no final de seu mandato, o parlamentar sempre é instado a prestar contas sobre a quantidade de projetos de lei que propôs. Se ele não propôs nenhum, mas esteve presente, e discutiu todos, talvez não lhe seja dado crédito algum, apesar de ter poupado, ao cidadão, muitas “criações normativas” que, possivelmente, mais lhe atrapalhasse a vida do que ajudasse.

É claro que ao parlamentar é facultada a iniciativa de leis. Mas, de modo geral, penso ser muito difícil para um parlamentar, individualmente, possuir informações suficientes para elaborar projetos de lei realmente consistentes.

Talvez seja por isso que a maioria dos projetos de lei, elaborados por parlamentares, sejam, quase sempre, extremamente pontuais, criando situações tão específicas que, muitas vezes, mais atrapalham do que ajudam a vida dos cidadãos (veja a reportagem publicada nesta semana na Revista Veja)

Mas, o parlamentar pressionado pela pergunta que sempre virá – “quantas leis você produziu?” – o jeito é ter alguma coisa a dizer – um número qualquer, senão pode ser interpretado como um parlamentar improdutivo, mesmo que tenha estado presente em todas as sessões, e debatido todos os temas em plenário.

Outro dia, numa reunião, ouvi um experiente parlamentar se vangloriar de ter, em seus dois mandatos na Câmara de Vereadores, apresentado 150 projetos de lei! Seria esta a marca do bom parlamentar? Para mim, uma loucura!

Nesta semana, na Câmara, além dos projetos de títulos e dias de homenagens, dois foram os projetos de conteúdo: o que cria o PROCON, no âmbito do Município do Rio e, o outro, o que institui a disciplina de Ensino Religioso nas Escolas públicas. Ambas as propostas de iniciativa exclusiva do Executivo (art.61 da CF).

O segundo projeto foi objeto de um debate maior na Câmara. Excepcionalmente, suscitou posicionamentos diversos de muitos parlamentares. Houve emendas e discussões sobre elas. E isto foi muito bom, pois, a nosso ver, esta é a verdadeira função parlamentar: debater e debater muito, antes de votar.

Talvez o projeto não tenha atingido a excelência, mas melhorou muito, depois do debate, que foi exigido pelos parlamentares, diante da “urgência” solicitada pelo Executivo.

Talvez, a melhor forma de se melhorar a produção legislativa seja atentar mais para sua qualidade do que para sua quantidade. E, para começar este processo, ter-se-ia que dar mais valor ao parlamentar que debate, do que aquele que produz lei como se produzisse pão!

Isto porque, com o cipoal legislativo que temos, talvez seja melhor, para a vida dos cidadãos, revogar leis, e não criá-las.

Afinal, hoje, para melhorar a administração pública e consolidar a cidadania, talvez seja preciso muito mais conhecer as leis, e cumpri-las, do que produzi-las!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

MULHERES NO LEGISLATIVO

Eleições 2012

Quantas mulheres estão dispostas a “entrar" para a política?

Quando digo “entrar" para a política estou me referindo a um duro caminho de concorrer a um cargo eletivo, seja do legislativo, seja do executivo: se candidatar.

A lei eleitoral, numa mini-reforma feita em 1997 (lei 9504, art.10§3º), exige que um mínimo de 30% de candidatos seja de um dos sexos, ou seja, de mulheres, quando a maioria for de homens, como de costume.

Isto não significa dizer que 30% dos parlamentares eleitos sejam compostos de mulheres! Ainda não, embora o número venha aumentando. A exigência legal é boa, pois, ao menos é possível garantir vagas para mulheres no rol de candidatos de cada legenda partidária, lista esta disputadíssima pelos homens!

Na Câmara de Vereadores do Rio, embora tenhamos menos mulheres do que médicos, o número de vereadoras é, proporcionalmente, maior do que no Senado e na Câmara Federal.

Isto pode significar que, para as mulheres, o processo de candidatura ainda não é nada fácil, embora sua participação no legislativo seja essencial, de modo a equilibrar uma nova forma de se fazer política, como diz Marina Silva, símbolo máximo, para mim, desta trajetória!

Vejam os números abaixo:

CÂMARA DOS VEREADORES DO RIO DE JANEIRO

Para a 8ª Legislatura, foram eleitas 13 mulheres de 51 vereadores. Representavam 25,49% dos vereadores. Carminha Jerominho foi cassada pela Justiça Eleitoral. Clarissa Garotinho, Aspásia Camargo e Lucinha renunciaram, porque assumiram como deputadas estaduais. Liliam Sá renunciou porque foi eleita deputada federal. Cristiane Brasil se afastou porque assumiu a Secretaria Municipal de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida. Assumiram como suplentes das vagas abertas em 2010, somente uma vereadora mulher - Sonia Rabello – já que os demais suplentes que assumiram são homens.  Recentemente, assumiu mais uma vereadora (Márcia Teixeira – 2011) na suplência de um vereador preso.  Deste modo, hoje, são nove vereadoras ativas. Representam 17,6% dos vereadores (os médicos são dez!) 

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Para a 10ª Legislatura, foram eleitas 13 mulheres de 70 deputados estaduais. Representam 18,57% dos deputados estaduais. Nenhuma se afastou ou renunciou.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

Para a 54ª Legislatura, foram eleitas 45 mulheres de 513 deputados federais. Representam 8,7% dos senadores. Maria do Rosário Nunes está licenciada, porque assumiu a Secretaria dos Direitos Humanos e Iriny Lopes também está licenciada, porque assumiu a Secretaria Especial de Políticas para a Mulher. Assumiram como suplentes seis mulheres – Carmen Zanotto, Eliane Abissmra, Eliane Rolim, Magda Moffato, Marina Santanna, Solange Almeida –,de modo que hoje são 49 deputadas federais ativas. Representam 9,51% das deputadas.

SENADO FEDERAL

Para a 54ª Legislatura, foram eleitas 12 mulheres de 81 senadores. Representam 14,81% dos senadores. Gleisi Helena Hoffmann está licenciada, porque assumiu a Casa Civil. Já Marisa Serrano renunciou, porque assumiu o cargo de Conselheira do TCE-MS. Em seu lugar, assumiu um homem, de modo que hoje são dez senadoras ativas. Representam 12,34% dos senadores.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

METRÔ DO RIO: limites do arbítrio II

Ensina-se nas escolas de Direito que já ficou no passado o tempo em que as decisões administrativas, no tocante às suas escolhas de mérito, não seriam auditáveis. 

Ser auditável significa dizer que as decisões da Administração Pública podem ser questionadas e reavaliadas pelos órgãos de controle da Administração Pública, tais como os Tribunais de Contas, e por ações judiciais promovidas pelo Ministério Público, ou até mesmo pelos cidadãos.

Escolhas de mérito diferem daquelas onde as decisões são pautadas por parâmetros explicitados em uma lei, chamadas de decisões “vinculadas”. 

Nas escolhas de mérito, também chamadas de discricionárias, a Administração Pública teria uma margem de escolha entre uma opção ou outra, mas também dentro de critérios legais de opção, previstos pelo sistema jurídico, e à luz dos princípios constitucionais da eficiência, moralidade, razoabilidade, e proporcionalidade legislativa.

As escolhas administrativas relativas ao contrato administrativo público de concessão do Metrô do Rio, feitas pela Administração Pública do Estado, parecem não corresponder aos limites de discricionariedade dados pelo sistema jurídico ao Administrador.  E, quando isto ocorre, a decisão deixa de ser discricionária, e passa a ser arbitrária.  E, como tal, anulável, porque não acolhida pelo sistema jurídico.

E por quê?

Porque há amplíssimos relatórios técnicos que demonstram, cabalmente, que a alteração do trajeto original da linha 4 do Metrô do Rio, para transformá-lo numa simples extensão da linha 1, com a provável prorrogação do contrato com a concessionária, neste caso, não atenderá da forma minimamente adequada, com eficiência, razoabilidade, e proporcionalidade ao serviços público que o Estado tem o dever de prestar.

Há relatórios técnicos que demonstram como essa decisão ultrapassa os limites da razoabilidade técnica, e como seriam desastrosas para aquele sistema de transporte porque irreversíveis.  

Outros relatórios demonstram como erros do passado, relativos à segurança do transporte, à superlotação de de passageiros, aos custos de operação e custos de execução, já são causas de insustentáveis problemas na operação do Metrô do Rio. 

Por isso, a situação parece ser tão grave que já teria ultrapassado os limites da discricionariedade de escolha opcional da Administração Pública, onde se situam às margens da legalidade, para entrar na domínio da arbitrariedade: decisões em que não se identificam motivos técnicos razoáveis para dar legitimidade à decisão.

No passado, escolhas de mudanças de traçado e operação das linhas 1 e 2 do mesmo Metrô geraram, e estão gerando, gravíssimos prejuízos aos cofres públicos, com contratos administrativos prorrogados, com a atual concessionária até 2038 e, sobretudo, com graves prejuízos à prestação de serviços à população.  

Esses erros crassos estão relatados, sobretudo, em duas ações judiciais propostas: uma ação popular (confira), proposta pelo atual Dep. Alessandro Molon, que relata as irregularidades da prorrogação contratual, até 2038 com a atual concessionária. (Link do processo

A outra, proposta pelo Ministério Público Estadual (confira), em que estão relatados erros absurdos na operação, e na qual se pede, dentre outros pedidos relativos à segurança, e a operação dos serviços o seguinte:

"e) paralise, imediatamente, o serviço metroviário no trecho existente entre as estações CENTRAL e SÃO CRISTÕVÃO, hoje em operação, bem como entre a estação CENTRAL e a da CIDADE NOVA, esta última a ser ainda inaugurada, enquanto não estiver completamente finalizada: (i) a construção da ligação São Cristóvão - Central, com todas as características previstas no 6º TERMO ADITIVO; (ii) a construção das estações Cidade Nova e Uruguai;"

(Link do processo)

Pergunta-se: novos erros devem ser evitados?  O sistema jurídico brasileiro, na prática, não tem como impedir as novas decisões administrativas que afrontam os limites da razoabilidade técnica e da legítima discricionariedade administrativa?

Há mais de 50 anos foi acolhido, no sistema jurídico brasileiro, o princípio da responsabilidade objetiva do Estado na prestação de serviços públicos.  Esta norma tem status constitucional, pois está prevista no art.37 §6º da CF. 

A responsabilidade objetiva do Estado se baseia - no que se refere à prestação dos serviços públicos, aí incluído o de transporte coletivo - no pressuposto de que o Poder Público é responsável pelos serviços adequadamente prestados: ou seja, os serviços não podem ser mal prestados, prestados fora do tempo, ou simplesmente não prestados. 

Por isto, no caso do Metrô do Rio, está mais do que na hora de colocar em prática o que ensina nas escolas de Direito: ou seja, os fundamentos mais básicos de controle das decisões administrativas, e da eficiência da Justiça.

Confira abaixo: os pedidos da ação do MP estadual, e parte do relatório técnico relativo à linha 1 e 2.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

METRÔ DO RIO: limites do arbítrio


Crédito: Paulo Alvadia / Agência O Dia

Ensina-se nas escolas de Direito que as decisões do Poder Executivo devem se pautar pelos princípios constitucionais previstos no art.37 da Constituição Federal, dentre os quais constam os denominados princípios da moralidade, e princípio da eficiência.

Ensina-se também nas escolas de Direito que esses princípios constitucionais não devem ser só um belo discurso jurídico, mas aplicados no dia-a-dia da Administração Pública, para ter eficácia jurídica!  Ou seja, a prática da Administração Pública deve observar, em qualquer decisão, em qualquer projeto, em qualquer ação administrativa, estes princípios.

O princípio da moralidade administrativa significa não só o mínimo ético das decisões, como também sua razoabilidade e sua proporcionalidade.  Dizia Hauriou (1919), um inspirado jurista francês, que moralidade administrativa significa basicamente boa administração, e ausência de arbítrio. 

Juristas brasileiros entendem que o princípio da razoabilidade impõe à Administração Pública uma congruência lógica das suas decisões, balizadas não só pela vontade política, mas sobretudo por aquilo que a técnica recomenda.

E o princípio da proporcionalidade?  Este é mais simples: é a adequação entre os meios empregados ao fim pretendido.

Como se não bastassem esses princípios e, talvez, ainda pouco acreditando neles, o Constituinte brasileiro, em 1998, emendou a Constituição para introduzir, explicitamente, no texto do art. 37, o princípio da eficiência.  Como se precisasse!

Teoricamente, talvez não.  Na prática, sim.  Uma decisão pública eficiente é auto-explicativa: alcançar o máximo, com o mínimo de recursos.  E, além disto, alcançar os resultados pretendidos com segurança, e com atendimento dos interesses coletivos.

As decisões das autoridades estaduais, relativas à implantação do novo projeto da Linha 4 do Metrô, parecem contrariar todos estes princípios da Constituição.  E, por isso, não poderiam ser consideradas válidas e legais.

Decidir sobre como, e por onde irá ser implantado esse fundamental equipamento de transporte na Cidade do Rio de Janeiro, não pode, juridicamente, ser considerada nem uma decisão puramente política (por exemplo, nomeação de um secretário), nem uma decisão trivial. 

Portanto, mesmo que ela seja tomada por autoridade administrativa superior, ela deverá atender, necessariamente, aos princípios constitucionais da moralidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência administrativas, sem o que ela será inválida.

O novo projeto da Linha 4 do Metrô do Rio, que prevê simplesmente a prorrogação física e contratual com o operador da Linha 1, é desaprovada por todos os técnicos na área, inclusive por órgãos de classe, como o Clube de Engenharia do Rio.    

Modificando o traçado original, há muito estudado, a nova proposta parece não se fundamentar em qualquer estudo de demanda, e poderá trazer erros técnicos estruturais irreversíveis, não só para a eficiência da mobilidade urbana, como para a segurança, e para seu custo de operação.

E quem tomou esta decisão?  Quem se responsabiliza por ela?  Qual o órgão público técnico que a endossa? 

As respostas parecem ser: a decisão é puramente política, mas nenhum político se responsabiliza por ela.  Quanto aos órgãos públicos técnicos, estes nem foram consultados, porque não há, na administração pública fluminense, qualquer vinculação das decisões de transporte nem a um conselho técnico, nem a um procedimento administrativo que garanta que as mesmas atendam, tecnicamente, aos fundamentos constitucionais da eficiência, razoabilidade, proporcionalidade de suas decisões, e, por consequência, da moralidade administrativa.

Para que a Constituição Federal não seja um discurso para “inglês ver”, na ONU, ou em qualquer outro lugar do mundo, é necessário baixar à terra, e se exigir na prática, o que discurso jurídico prega na teoria.

Lei há.  Colocá-la em prática é a questão!

Art. 37 da CF:
A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: (...)

(Leia na íntegra o artigo)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

CSA: o custo de uma siderúrgica

Quanto vale uma siderúrgica no Rio de Janeiro?

Reprodução Internet
Essa é uma pergunta difícil de responder.  Mas, assim mesmo, devemos fazê-la sempre.

Por exemplo, o custo da Companhia Siderúrgica do Atlântico - CSA, pertencente à portentosa multinacional ThyssenKrupp, ainda não foi dimensionado. Mas, já sabemos que ele implica muito aço e pouca saúde.

A empresa está solicitando licença definitiva, tem incentivos fiscais, muitos processos na Justiça dos quais pouco se ouve falar, e muita dívida de saúde para quem mora nas proximidades.

O assunto se arrasta.  As autoridades falam, sobretudo as estaduais, da área ambiental - Secretário Estadual de Meio Ambiente, e presidente do órgão ambiental (INEA).  Os técnicos deveriam falar, mas não são chamados (ou são calados?).

Mas quando fazem seu trabalho e apresentam o relatório, assustam aos grandes negócios.  Veja abaixo a situação relatada pelo professor e médico pneumologista, Dr. Hermano Albuquerque de Castro, da Fiocruz, e que está sendo divulgado pela internet.

Histórico:

Desde meados de 2006, a região de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio, tem sofrido o nocivo impacto causado pela instalação da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA).

Com a inauguração da companhia, em junho do ano passado, além dos pescadores, moradores do entorno da baía da usina passaram a conviver, diariamente, com a poluição e a emissão de particulados altamente prejudiciais à saúde.  Isto é fato.

“Sentimos na pele os efeitos negativos e maléficos da ação da empresa e sabemos muito bem do que ela é capaz”, afirmam representantes da Articulação da População Atingida pela Companhia Siderúrgica do Atlântico.


O laudo – O perigo que paira sobre Santa Cruz

A TKCSA já sofreu ato de infração pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), embargo de parte de obra e multa pelo IBAMA (2007), interdição e embargo pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), além de ser objeto de mais de nove ações civis públicas e de um inquérito no Ministério Público Federal (MPF).

Recentemente, foi multada em R$ 1,8 milhão pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA).

Em alguns episódios, percebeu-se a proliferação de queixas e agravamentos de doenças entre moradores vizinhos ao empreendimento. Muitos, entretanto, não vinham conseguindo atendimento médico adequado nas unidades públicas da região.

Foi quando o Dr. Hermano Albuquerque de Castro, pneumologista, pesquisador titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ), reconhecido profissional da área da Saúde, prontamente atendeu e acolheu a população que procurou o ambulatório de doenças ocupacionais e ambientais daquela instituição.

Os atendimentos, por sua vez, geraram um laudo orientador para a Saúde Pública onde se apontava os perigos aos quais estariam expostos os moradores, além da necessidade de maiores investigações e vigilância por parte das autoridades públicas a respeito dos efeitos negativos das atividades da TKCSA na região.

Eis, um trecho do relatório:

A Fiocruz recebeu moradores residentes próximo a esta fábrica, com diferentes queixas de saúde. Os encaminhamentos foram realizados pelo Sistema Único de Saúde e pelos movimentos sociais locais. Foi atendido no ambulatório da Fundação Oswaldo Cruz o total de sete moradores. Dentre estes, uma criança e seis adultos.

A criança apresentava história clínica compatível com rinossinusopatias e asma brônquica, com piora do quadro após a exposição ambiental, relatada pela família como uma poeira, ora prateada, ora escura. Foi possível verificar ao exame do couro cabeludo da criança, a presença de poeira, tipo purpurina.

Todos os adultos apresentavam queixas respiratórias, como tosse, dispneia e sinusite. Da mesma forma, referiram relação e agravamento do quadro respiratório com a exposição ao pó liberado na atmosfera pela siderurgia. Dois adultos apresentaram quadro clínico-funcional compatível com asma brônquica e um adulto apresentava na história pregressa patologia pulmonar prévia. Três adultos apresentaram alterações funcionais ao exame de espirometria realizado no ambulatório do CESTEH.

Além disso, dois moradores (um adulto e uma criança) referiram prurido em membros superiores e couro cabeludo relacionado à presença da poeira, tipo purpurina, segundo relato de exposição. As queixas e os sintomas agravados destes moradores se relacionavam, através da história colhida, com a exposição à fuligem da siderurgia, a partir do mês de agosto de 2010.

Este relato não constitui um estudo epidemiológico. O que se verificou foram eventos-sentinelas que demonstram a possibilidade de danos causados pela exposição ambiental, relacionadas ao acidente ocorrido na região ou ao processo de emissão dos poluentes produzidos pela fábrica (...)

Ainda de acordo com o relatório do pesquisador e cientista – levando-se em conta a proximidade das habitações e da população do entorno da fábrica e os possíveis danos à saúde de curto prazo (efeitos agudos), médio e longo prazo, como câncer (efeitos crônicos) – seria aconselhável que esses moradores permanecessem sob vigilância ambiental em saúde pelo tempo em que ficassem expostos às emissões e por, pelo menos, 20 anos após a suspensão das emissões.

(Leia aqui o relatório na íntegra)

A “reação” lamentável da CSA 

Ao tomar conhecimento do relatório elaborado pelo pesquisador, o empreendimento, que deveria não somente dialogar sobre propostas e o desenvolvimento de ações voltadas à proteção da saúde da população, agindo, assim, dentro do princípio precaucionário da Organização Mundial de Saúde (OMS), preferiu o ataque à pessoa do Dr. Hermano, distribuindo à comunidade um folheto corporativo de conteúdo distorcido. 

A publicação “Hora da Verdade”, jornal corporativo editado pela TKCSA, divulgou que as declarações do pesquisador Hermano Albuquerque de Castro não haviam sido autorizadas pela Fiocruz.

Além disso, o veículo tentou criar um falso clima de conflito entre Hermano e a Presidência da Fiocruz, com o objetivo de desmoralizá-lo publicamente.

Contudo, o coordenador de comunicação da Fiocruz, em comunicado oficial, negou veementemente as acusações:

“Não houve por parte do pesquisador declarações contendo qualquer afirmação sem autorização oficial da instituição em que trabalha, conforme divulgado no Hora da Verdade. (...).

O pesquisador Hermano Albuquerque de Castro goza da confiança e do respeito da Presidência e da comunidade da Fiocruz pela sua competência técnico-científica, postura ética e compromisso social, tendo ocupado posições de direção e de representação institucional que o qualificam como pessoa de referência na saúde pública e, especificamente, no campo da saúde do trabalhador e da pneumologia no país.(...)

A forma panfletaria como foi elaborada a matéria indica uma intenção de execração pública.”

De acordo com a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Pública  (Abrasco), “a empresa (TKCSA) não pode fugir de suas responsabilidades tentando desacreditar um pesquisador de renome no cenário nacional”.

Além disso, a associação acrescentou, por meio de um manifesto, que o empreendimento deveria realizar monitoramento contínuo da qualidade do ar na região, sob supervisão da Agência Ambiental do Estado (INEA), de modo a permitir a detecção de escapes de menores proporções deste particulado e/ou de outros produtos oriundos da siderurgia.

Ordem inversa

Em 2008, representantes do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba, ambientalistas, além de várias associações e federações de pescadores já afirmavam que as obras da siderúrgica teriam, naquela época, provocado um grande impacto ambiental e prejuízos à região.

Segundo os opositores, cerca de 21,8 milhões de metros cúbicos de lama contaminada por metais removidos do fundo da baía seriam enterrados no fundo do mar em cavas inseguras. (Leia mais)

O que pode se observar, tendo como parâmetros as inúmeras manifestações de órgãos de referência ao trabalho de Hermano Albuquerque, é que a siderúrgica, em lugar de arcar com os prejuízos à saúde identificados entre os habitantes de Santa Cruz, lança mão da difamação e da pressão pública, numa tentativa de encobrir a realidade nada promissora para a região em termos ambientais.

O docente, que recebeu e orientou a população atingida, transformou-se em alvo de um processo movido pela TKCSA, por “ter atendido moradores e posteriormente ter escrito um laudo sobre o problema da poluição na região de Santa Cruz”.´

Audiência Pública informa o andamento da questão

No último dia 21 de setembro, a assessoria da vereadora Sonia Rabello esteve presente na Audiência Pública em Santa Cruz sobre a Licença Ambiental da TKCSA.

Na audiência, as autoridades presentes explicitaram as ações do poder público no sentido de reverter a situação criada pela TKCSA. Esclareceram que a siderúrgica ainda está em fase de avaliação, e que realiza testes pré-operacionais para identificação de falhas e situações não previstas. A licença definitiva será concedida somente após todas as falhas e imprevistos sanados.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

PARQUE DO FLAMENGO: O FURO NA BARRAGEM?




Obter a primeira exceção à regra é essencial para iniciar a conquista do todo. É o furo na barragem: basta um só furo, para que ela seja paulatinamente destruída.

Nesses quase 50 anos de existência do Parque do Flamengo, a sociedade carioca conseguiu construir, e manter firme, o projeto original do magnífico Parque público que ele é. Resistiu a inúmeros assédios de poderosos, cheios de ideias e ambições, que visavam assenhorear-se desse espaço privilegiado da Cidade.

Mas, agora, o jogo parece ser o da grande conquista: talvez não financeira, mas de verdadeira demonstração de poder – eu posso, e só eu consigo! Eu, sempre eu... Este espaço esperava por mim!

Qual teria sido o motivo – a motivação – que fundamentou a mudança de opinião do Conselho Consultivo do IPHAN, para que tenhamos, agora, a notícia de que na área da Marina da Glória, na enseada mais significativa do Parque, fosse autorizado um projeto particular de construção de um enorme Centro de Eventos?

Quem conhece, ou viu esse projeto?

A lei federal 9784 de 1999, que regula a forma de decisões da Administração Pública, diz o seguinte:

 
Art. 48 – A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.
(...)
Art. 50 – Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
(...)

§1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas que, neste caso, serão parte integrante do ato.”

Por isso cabe perguntar: podemos acreditar em um Estado que se diz democrático, quando nos deparamos com uma decisão da Administração Pública, altamente relevante (apesar de desconhecida do público que afeta), e que altera todo rumo das anteriores, e que não tem nem processo administrativo, nem fundamento técnico, nem análise que explicite a deferência de um posicionamento diverso dos anteriores, e nem publicidade?

Aristóteles dizia que a democracia seria aquele estágio de organização do Estado no qual a lei serve, e se aplica a todos: ninguém estaria fora de sua incidência e, por sua aplicação, sem exceções, é que se garantiria o princípio da igualdade na sociedade. Diferentemente, nos Estados classificados por aquele filósofo como “aristocráticos”, haveria duas categorias de pessoas: os nobres, e o povo. Nesses estados aristocráticos, a lei serviria para ser aplicada apenas ao povo, mas não à nobreza.

E nada mais poderoso para o ego de alguns do que a necessidade de sentir-se um nobre, uma pessoa acima da lei. Lamentável!

Mas, o mais lamentável é o chamado Estado de Direito prestar-se a isto!

Fato é que, apesar da ameaça da quebra da regra no nosso Parque do Flamengo, este processo ainda não está finalizado. O segredo, que protege essa anunciada decisão administrativa, revela a sua própria fragilidade jurídica e, por consequência, sua ilegitimidade.

Oficiamos pela Câmara de Vereadores à Ministra da Cultura para que esta, no seu papel legal de supervisão dos atos administrativos, no âmbito de seu Ministério, conhecesse o assunto, e interviesse para que a necessária transparência fosse aplicada a esse procedimento de interesse público.  A resposta da ministra significa a irônica recondução do assunto à estaca zero, pois nosso ofício foi por ela encaminhado ao IPHAN! (Confira)

Resta também saber o que acontecerá na tramitação no âmbito do Executivo Municipal. Duvidamos que este possa conceder, legalmente, qualquer licença de construção no Parque público do Flamengo.  Isto porque se impõe a observância da Lei Orgânica da Cidade, que determina que os Parques públicos, áreas verdes, unidades de conservação – leia-se, Parque do Flamengo - não podem ser cedidos ou concedidos a ninguém, e nem alterados ou violados; nem um pedacinho deles - nem um primeiro furo – que, na verdade, compromete toda a barragem.

Esta é a nossa garantia.  A garantia do povo que acredita, e cumpre a lei!

Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro:

Art.235:  As áreas verdes, praças, parques, jardins e unidades de conservação são patrimônio público inalienável, sendo proibida sua concessão ou cessão, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que danifique ou altere suas características originais”

Que se cumpra a lei, por todos!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

PRESERVAÇÃO EM BAIXA: o Parque do Flamengo é a bola da vez


É evidente que nenhum governante falará, ou demonstrará abertamente, que sua intenção é acabar com os Parques e as áreas verdes da Cidade. E, mesmo que tenha boas intenções, pensará, como sempre: só esta aqui, talvez, não faça tão mal assim. Faz sim ! É dessa maneira que continuamos dizimando a Mata Atlântica, e a Amazônia.

No Rio, o caso mais emblemático talvez seja o do PARQUE DO FLAMENGO, que está sendo cedido ao mega empresário da área de extrativismo mineral no Brasil, Sr. E.Batista.  



Por enquanto, não todo o Parque, óbvio, ou para não parecer óbvio no momento. Agora, só uns 10 mil metros quadrados da sua área mais nobre, a área denominada Marina da Glória.

Tudo muito contrário à lei, mas com muitos interesses envolvidos.

O grande empecilho para a construção de um centro de eventos do empresário no local era a posição do Conselho Consultivo do IPHAN - o Parque é tombado -, defendida a ferro e fogo em outras circunstâncias, desde 1998, de que nada poderia ser construído nesse Parque público que não fosse aquilo que constava em seu projeto original de arquitetura, urbanismo, paisagismo, recreação, educação popular, enfim.

Caminhões invadem, sem qualquer restrição, as áreas do Parque.
Onde antes havia árvores e grama, agora está apropriado por particulares para um clube náutico de alta renda!

Esta posição foi defendida em ação judicial, que dura dez anos, com todas as vitórias obtidas em 1ª e 2ª instâncias na Justiça Federal no Rio, e cujo processo judicial foi roubado no caminhão dos correios, em 2010, quando era remetido para Brasília!

Eis que, em 2 de maio deste ano, sem que constasse oficialmente na pauta da reunião do Conselho Consultivo do IPHAN, foi apresentada uma proposta de exploração privada dessa área, com a construção de uma enorme edificação e, dizem, foi aprovada!

Essa aprovação foi apenas anunciada no portal do IPHAN, e em cartas assinadas pelo presidente do órgão a algumas pessoas específicas. O que se passou na reunião ninguém sabe, já que, ao que consta, a reunião não foi gravada e, ao contrário do que é de praxe, não houve conselheiro-relator do processo. (Leia mais)
Palco de eventos milionários
Aliás, suspeita-se que não há nem processo administrativo de tramitação da proposta, nem parecer dos órgãos técnicos do IPHAN, em que se baseie a análise dos conselheiros, conforme previsto na  Portaria 420/2010 daquele órgão. 

Tudo isto, também, em frontal infração à lei federal 9784 de 1999, que dispõe sobre a forma dos processos administrativos no âmbito da Administração Federal.

Essa lei, a Lei 9784, visa garantir a transparência das decisões administrativas, a fim de lhes conferir legalidade e legitimidade, sem o que os atos administrativos são nulos de pleno direito, e não produzem, por consequência, os efeitos desejados.
 
A título de exemplificação, nos seus arts. 22 e seguintes da referida lei, exige-se que os atos administrativos (praticados pela Administração Pública) devem estar consignados em processos administrativos, escritos, devidamente instruídos, assinados, e comunicados a todos os interessados. No caso de interessados indeterminados, ou desconhecidos, a comunicação da decisão deve ser feita através de “intimação (...) efetuada por meio de publicação oficial” (§4º do art.26).
 
A Câmara de Vereadores da Cidade, através de sua Comissão Especial de Patrimônio Cultural, oficiou ao Presidente do Conselho do IPHAN pedido de audiência pública e informações, reiteradamente, em maio de 2011, em junho de 2011, em agosto de 2011, e nunca recebeu qualquer resposta ou comunicação sobre o assunto até a presente data.
 
E isso contraria, também frontalmente, o art.31 da citada lei 9784/1999 que diz:
 
Art. 31: “Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, abrir período de consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para parte interessada (...)

§1º - A abertura de consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que pessoas físicas ou jurídicas possam examinar os autos, fixando-se prazo para oferecer suas alegações escritas.

§2º - O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado do processo, mas confere o direito de obter da Administração resposta fundamentada, que poderá ser comum a todas as alegações substancialmente iguais.
(...)

Art.33 – Os órgãos e entidades administrativas, poderão estabelecer outros meios de participação de administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas

Art.34 – Os resultados da consulta e audiência pública e de outros meios de participação da administração deverão ser apresentados com a indicação do procedimento adotado.

Com essa previsão legal, vigente no país há mais de 10 anos, por que, em caso de tamanho interesse público e social, nada foi cumprido?

Por que a solicitação da Câmara de Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro sequer foi respondida, ou atendida pela Presidência do IPHAN?

Por que não foi atendida a realização da audiência pública prévia na Cidade do Rio de Janeiro, antes de reunião em Brasília, onde a matéria foi resolvida sem ter sido incluída previamente em pauta?

Por que não foi cumprida a portaria 420 do IPHAN, neste caso?

Por que consta que não há processo administrativo, e nem instrução técnica para este caso?

Por que consta que não houve gravação da reunião?

Por que, passados cinco meses da reunião do Conselho, não há nem mesmo ata do que foi decidido na mesma, apesar do empresário interessado no bem público (Parque) estar dando continuidade ao projeto?

Por que só o empresário sabe o que foi aprovado, e a Câmara de Vereadores da cidade não sabe?

Por que não houve publicidade da decisão e, tendo havido outra reunião do Conselho Consultivo, em setembro de 2011, a ata da reunião de maio sequer foi submetida à aprovação dos conselheiros que, segundo dizem alguns deles, nada foi aprovado definitivamente?

Em tempos em que queremos um firme apoio à legalidade, como única forma democrática de combater qualquer forma de desvio administrativo e corrupção – e por isto lutamos pela punição de ministros e autoridades que pagam, com recursos públicos, benesses privadas, ainda que aparentemente insignificantes –, por que não haveremos também de compreender, e exigir clareza, transparência e legalidade nos mega negócios?

Um patrimônio cultural da Cidade, do Estado, do País - mais um - sob ameaça de descaracterização, sob um aparente manto de legalidade!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Árvores: um direito de todos nós

Em comemoração ao Dia da Árvore ou Festa Anual das Árvores

O Decreto 55.795, de 24 de fevereiro de 1965, da Presidência da República, instituiu a Festa Anual das Árvores, em substituição ao Dia da Árvore.

O belo discurso desse decreto consistia no argumento segundo o qual essa “festa” teria por objetivo “difundir ensinamentos sobre a conservação das florestas e estimular a prática de tais ensinamentos, bem como difundir a importância das árvores no progresso da Pátria, e no bem-estar dos cidadãos”.

Isso teria ficado apenas no discurso?

Naquele ano não.

Felizmente, em setembro de 1965, foi promulgada a Lei 4.771 que instituiu o “novo” Código Florestal Brasileiro. Novo porque substituía o anterior, de 1934 (Decreto 23.793).

A lei 4.771/65 está ainda em vigor, e é sua alteração que está em tramitação no Senado da República, após ter sido já aprovada pela Câmara dos Deputados, propondo mudança substancial do seu texto, em detrimento da preservação do patrimônio florestal brasileiro.

O art.1º desta lei de 1965, em termos de construção sistemática do direito coletivo (e público) sobre as florestas, representa um avanço conceitual enorme. Vale a pena divulgá-lo, e lê-lo e relê-lo. Diz o seguinte:

art. 1º - As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação reconhecidas de utilidade pública às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral, e especialmente esta Lei estabelecem.

Ou seja, a lei de 1965 confirma que as florestas e demais formas de vegetação não são objeto de propriedade daquele que é dono do solo, mas “bens de interesse comum a todos os habitantes”. Portanto, o proprietário do solo, onde existem quaisquer formas de vegetação, só pode exercer os seus direitos de “domínio” do solo – usar, usufruir, e alienar o bem imóvel, ou seus “acessórios”, aí compreendida a cobertura vegetal – da forma e com as limitações que a legislação permitir.

Ou seja, quem é dono do solo não é necessariamente dono da vegetação que nele existe, e nem pode utilizá-la como lhe aprouver, mas somente da forma que a lei vier a permitir.

Um enorme avanço! Avanço este que foi consagrado, indiretamente, na Constituição de 1988, no art.225, que diz que o “meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo”.

Duas observações

Em primeiro lugar, o código florestal se aplica também à propriedade urbana, e não somente às áreas rurais, pois não há nada, em seu texto, dizendo que a cobertura vegetal urbana seria menos protegida do que aquela existente em áreas rurais.

Em segundo lugar, a legislação que limita a possibilidade de corte de árvores, ou qualquer forma de vegetação, pode ser a federal, a estadual ou a municipal. Isto porque a competência para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição” está prevista – no art.24, VI da CF de 1988 – como competência legislativa daqueles três entes políticos mencionados, e, no art.30, II como competência suplementar dos Municípios.

E mais.

O art.23 da Constituição Federal diz que é competência comum aos três entes federativos – União, Estados e Municípios, não só “proteger o meio ambiente”, mas, especificamente “preservar as florestas, a fauna e a flora” (inciso VII, art.30 da CF de 1988). Um poder-dever do Poder Executivo! E não restrito à área rural, repito, mas em todo o território nacional, inclusive nas cidades.

Nunca se falou tanto em meio ambiente. Mas, desconfio que, pelas pressões de interesses fortíssimos, nunca a cobertura vegetal se viu tão ameaçada; não só na área rural, mas também, e, sobretudo, na área urbana.

Temos que plantar, plantar, e plantar árvores. Mas, vemos que só se derrubam, derrubam, e derrubam árvores. Pouquinho a pouquinho, tudo vai sendo dizimado.

E é contra esse processo, que fere os princípios constitucionais que haveremos de formar uma corrente para mudar!

Por isso, em comemoração deste Dia da Árvore professamos nosso compromisso de zelar para que não se derrube nem mais uma delas, até mesmo para observar o princípio constitucional de zelar pelo patrimônio coletivo de toda a Nação, de todos os brasileiros!

Neste dia, temos o que comemorar na Cidade do Rio de Janeiro?

Vejam as fotos:

Lapa - Centro do Rio





Vargem Grande - Zona Oeste





Parque do Flamengo -Zona Sul








terça-feira, 20 de setembro de 2011

Patrimônios da cidade do Rio de Janeiro II

Automóvel Club do Brasil


Crédito: Ascom Sonia Rabello
Quem é responsável pelo descaso com o patrimônio cultural da Cidade?

Se ele cai, é deixado deteriorado, ou é destruído – a quem cobrar?

A lei federal nº 9605 de 1998, que dispõe sobre crimes contra o meio ambiente, o ordenamento urbano e o patrimônio cultural diz, em seu art.62, o seguinte:

“Art.62: Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo, ou decisão judicial.
(...)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único: Se o crime for culposo, a pena é de 6 (seis)  meses a 1 (um) ano de detenção, sem prejuízo da multa.”

No caso do prédio do Automóvel Club, situado à Rua do Passeio nº 90, no Centro do Rio, haveria, no mínimo duas autoridades – o Estado e o Município do Rio.  Isto porque o prédio é tombado (1985) pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), e atualmente pertence ao Município do Rio de Janeiro (Aquisição pelo Município do Rio de Janeiro por Carta de Arrematação expedida pela 7ª V.F.P., matrícula nº 32917, ato R-51, do 7º RGI).

Decadência e abandono

Tombado pelo INEPAC em 1965, o imóvel foi ocupado pelo Bingo Imperial até 2003, antes de fechar definitivamente as portas e cair no abandono e na decadência: à noite a pequena escadaria do imóvel serve de "cama" para moradores de rua, ou mesmo de banheiro para os frequentadores da região.

Tempos de glória

Crédito: Reprodução Internet

Totalmente pichado, comprometido por rachaduras e infiltrações, e ameaçado de desabar, o imóvel é uma pálida lembrança daquele projetado por Manuel de Araújo Porto Alegre para ser a residência dos Barões e Viscondes de Barbacena (Oliveira Horta Caldeira Brandt).

Depois disso, foi adquirido, em meados do século XIX, pelo Cassino Fluminense, quando os clubes dançantes estavam na moda. Ganhou destaque por ser frequentado pela alta sociedade e pela Família Imperial.

Em 1854, foi reformado pelo arquiteto Luís Hoske, que o transformou num prédio de dois pavimentos com linhas neoclássicas e interior luxuoso, no qual se destacava o salão de baile. Em 1900, lá se instalou o Clube dos Diários.

Em 1910, foi reformado segundo projeto do famoso arquiteto francês Joseph Gire. 

Em 1924 passou a sediar o Automóvel Club do Brasil e, em 1964, foi palco do último discurso do presidente João Goulart antes do golpe militar. 

Importância histórica, e identidade com a Cidade o prédio tem. Mas descaso pelas autoridades também.

Crédito: Ascom Sonia Rabello
Em 2005 a Prefeitura pretendeu instalar ali uma biblioteca municipal central, o que seria bem vindo, já que não temos nenhuma deste tipo, e as bibliotecas municipais estão em extinção, mas o projeto não foi adiante.

Em 2008, a prefeitura lançou um edital para a ocupação do imóvel por um club de jazz – com biblioteca virtual, bar com ambientes de época e um espaço de memória. Teria sido muito bom. 

A proposta vencedora, entre as sete apresentadas, previu um investimento de R$ 28 milhões na recuperação do imóvel, a ser reinaugurado em 2009 (custo anunciado da “aranha” que puseram no Parque do Flamengo) Termo de Cessão de Uso nº 12/2008-F/SPA, em vigor, lavrado entre o Município do Rio de Janeiro e o Instituto Cultural Brasilis.

Porém, nada foi adiante, e não conseguimos apurar por quê !

Aliás, como vereadora, e presidente da Comissão Especial de Patrimônio, solicitamos autorização para que a nossa equipe entre no prédio para uma vistoria, e recebemos o retorno que somente o Secretário Municipal de Cultura poderia autorizar a entrada.   Isto há dois meses!  Tudo bloqueado ao acesso e à informação. 


Crédito: Ascom Sonia Rabello
A antiga sede do Automóvel Club do Brasil permanece em total estado de abandono com seu belo frontão neoclássico lembrando, melancolicamente, o quanto ainda há a ser feito em uma cidade de mais quatro séculos, mas que pouco quer saber de sua história, mas ainda quer se candidatar a Patrimônio Cultural, pela UNESCO

E isto quando, ao reformar pela terceira vez o Maracanã, estima que o custo desta obra custe, aos cofres públicos, cerca de R$ 700 milhões.

Dinheiro tem.  Não tem é gestão, e nem priorização!

E aí? Voltando à pergunta inicial.  Sabemos que dinheiro tem, tanto no Estado, quanto no Município, que é dono do prédio – (vimos em post anterior que 30 milhões foram gastos por ambos, Estado e Município, para o pré-sorteio da Copa, pela FIFA, em algumas horas de evento, ocorrido em julho).

Crédito: Ascom Sonia Rabello
Pela lei, destruir patrimônio cultural é crime, e poderia gerar não só responsabilidade civil, como administrativa e, consequentemente, até política. 

Cabe ao Estado, que exerce a tutela deste bem cultural, e exigir do Município as obras de recuperação deste bem tombado.  Ele assim o exige quando o bem é do particular.  Por que não do Poder Público, que deve ser mais zeloso do que o particular ?

Então, por que não aplicar a lei?  No caso de se enquadrar a hipótese como crime contra o patrimônio cultural da Cidade, cabe ao Ministério Público  não só promover a ação penal, como também a ação civil pública, para apurar as responsabilidades!

Portanto, lei há, responsabilidade também.  Falta a consequente aplicação e punição, sem o quê, tudo vira mero discurso.

Veja mais do frontão do prédio aqui.