terça-feira, 6 de setembro de 2011

Habitação social e desapropriações

Justiça Social em questão


Obras da Transcarioca - Largo do Campinho (junho/2011)
Crédito: Ascom Sonia Rabello

No Rio, três grandes obras – Transolímpica, Transoeste, Transcarioca - trazem para cerca de 5.000 famílias o drama da desapropriação. Dessas, talvez 1/3 sejam de pessoas pobres, com habitações não “oficializadas” no registro de imóveis, e que perderão a habitação precária que conseguiram providenciar para seu abrigo.

De um lado, a necessidade pública de novas vias. De outro, o direito constitucional de moradia, e o amparo devido, pelo Estado, aos cidadãos brasileiros ainda sem acesso ao mercado comercial da moradia.

O que fazer? Qual o direito a prevalecer? Dá para conciliar? Será que estas grandes obras aumentarão o déficit habitacional desta cidade já pressionada pelas habitações informais?

Os jornais denunciam, diariamente, este drama. (Confira)

O Poder Público parte da premissa jurídica, formalmente correta, de que pode, por lei, e em função de interesses públicos plausíveis e legalmente identificados, comprar, mediante indenização prévia, bens privados para realizar suas obras; ou seja, desapropriar.  

Isto é o que está previsto na Constituição (art.5º,  XVIV) e na lei (Decreto-lei 3365/41).  O particular não pode se opor a esta “compra” compulsória, mas lhe é facultado discutir o preço.

O Decreto-lei 3365, que é de 1941, e atende apenas em parte à complexidade das desapropriações atuais, especialmente quanto ao critério constitucional da justa indenização e das expropriações de bens e direitos pessoais de moradias informais, isto é, não registradas no registro de imóveis.  

A relativa complexidade do procedimento administrativo aí previsto é mais compatível com a parcela da população, cada vez menor, diga-se de passagem, que estaria mais familiarizada com o Direito, e que tem acesso a advogados e, portanto, mais facilmente acesso à justiça.  E, especialmente, para aqueles que, tendo outros recursos, podem aguardar, em outra moradia, a indenização completa e justa de seu patrimônio. 

E os que não têm conhecimento desse direito?

Reprodução Internet
Para estes, há a perplexidade, e muitas vezes o desespero de perderem seu único teto, ainda que precário, e de se deslocarem de seu local de vizinhança, das escolas de seus filhos, e do melhor acesso ao mercado de trabalho.

Nas grandes obras feitas na cidade, e mesmo em outras inúmeras feitas no Brasil (e isto é comum, por exemplo, na construção de barragens, portos, e etc...), paga-se indenização pela posse e pelas benfeitorias realizadas pelas pessoas em suas moradias. É uma avaliação “de mercado”, pois o conceito constitucional de “justa indenização” foi assim compreendido, faz tempo, pela jurisprudência nacional para as situações formais de propriedade.

Mas será que isso faz sentido no caso de moradias informais?  

Será que o direito constitucional de moradia em nada afetou essa interpretação, para situações diferenciadas como é o caso de pessoas economicamente excluídas do mercado formal?

Crédito: Ascom Sonia Rabello
Estaremos lançando mais famílias na informalidade?

Parece óbvio que a “justa indenização” seria, para esses casos, a reposição do mesmo bem, em situações similares, ou melhores, com a reposição dos prejuízos causados pelas mudanças.  Para essas pessoas, já tão desprovidas de todos os benefícios sociais, o justo parece ser, no mínimo a reposição da habitação “chave a chave”, como diz a profa.Raquel Rolnik. Nada menos do que isto.

Para tanto seria indispensável que as grandes intervenções urbanas, indispensáveis ao processo de urbanização pública, se dessem de forma minimamente planejadas, com informações previamente concluídas, no tempo necessário para que direitos constitucionais não fossem atropelados, ou substituídos por indenizações quase que simbólicas que, como sabemos, não alcançará, no mercado de terras atual, prover, para esses excluídos, uma nova habitação digna.

Só assim, desapropriar continuará sendo um direito do Estado, porém mais bem casado com o princípio constitucional da Justiça Social.

Veja ainda:

- A entrevista de Raquel Rolnik sobre o tema dos "mega eventos" (aqui) -
   (Raquel Rolnik é a relatora da ONU para Direitos de Moradia)

- Confira mais sobre o critério de Justa Indenização em meu texto aqui

2 comentários:

Marcelo disse...

Importante reflexão. O raciocínio vem ao encontro da noção de que o interesse público não é justificativa para marginalizar e condenar famílias à sarjeta.

Sergius disse...

Eles já foram marginalizados e condenados à sarjeta ao receberem uma ninharia qualquer quando foram expulsos de seu habitat centenário, por uma inundação de uma represa “progressista”, pelo êxodo rural, ou pela simples busca de melhores condições de vida em outro lugar.
As favelas do Rio de Janeiro nasceram das habitações erigidas no morro da Providência, e que por sua vez, já imitavam as palhoças dos escravos no morro da Glória. Esse nome foi dado pelos soldados que lutaram em Canudos, região de muitos arbustos com esse nome (favela) e que não viram cumpridas as promessas de Prudente de Morais de dar-lhes moradias em troca do massacre que promoveram no interior baiano. Improvisaram então, com caixotes de madeira, deixados pelos navios no cais do porto, seus barracos de madeira e ao fincarem os paus de suas estruturas assemelharam o morro da Providência a um morro de favelas do cenário belicoso de Canudos.
Portanto, nossos governantes têm o péssimo costume atávico de mover massas sem nenhum planejamento assistencial, pois fica muito mais barato, naquele momento, pensar unicamente nos interesses imediatos.
Nunca tiveram qualquer procedimento estratégico, porque o povo nunca foi sua prioridade.
Vivemos outros tempos e acredito ser a hora de se fazer desapropriações, apenas quando concomitantes com ofertas de novas moradias.
Isto significa que as novas Transolímpica, Transcarioca, Transoeste ou qualquer nome que tenham, deveriam ter seus projetos embargados, enquanto o governo não procedesse a um minucioso levantamento e convocasse a todos os envolvidos, para negociar VIS-À-VIS.
Se o governo não tem administração, que monte!
Se o governo não tem assistência social, que institua!
Não há como empurrar com a barriga a estruturação de um poder executivo que nunca está preparado proativamente para assistir àqueles para os quais foi constituído.