quarta-feira, 28 de setembro de 2011

METRÔ DO RIO: limites do arbítrio II

Ensina-se nas escolas de Direito que já ficou no passado o tempo em que as decisões administrativas, no tocante às suas escolhas de mérito, não seriam auditáveis. 

Ser auditável significa dizer que as decisões da Administração Pública podem ser questionadas e reavaliadas pelos órgãos de controle da Administração Pública, tais como os Tribunais de Contas, e por ações judiciais promovidas pelo Ministério Público, ou até mesmo pelos cidadãos.

Escolhas de mérito diferem daquelas onde as decisões são pautadas por parâmetros explicitados em uma lei, chamadas de decisões “vinculadas”. 

Nas escolhas de mérito, também chamadas de discricionárias, a Administração Pública teria uma margem de escolha entre uma opção ou outra, mas também dentro de critérios legais de opção, previstos pelo sistema jurídico, e à luz dos princípios constitucionais da eficiência, moralidade, razoabilidade, e proporcionalidade legislativa.

As escolhas administrativas relativas ao contrato administrativo público de concessão do Metrô do Rio, feitas pela Administração Pública do Estado, parecem não corresponder aos limites de discricionariedade dados pelo sistema jurídico ao Administrador.  E, quando isto ocorre, a decisão deixa de ser discricionária, e passa a ser arbitrária.  E, como tal, anulável, porque não acolhida pelo sistema jurídico.

E por quê?

Porque há amplíssimos relatórios técnicos que demonstram, cabalmente, que a alteração do trajeto original da linha 4 do Metrô do Rio, para transformá-lo numa simples extensão da linha 1, com a provável prorrogação do contrato com a concessionária, neste caso, não atenderá da forma minimamente adequada, com eficiência, razoabilidade, e proporcionalidade ao serviços público que o Estado tem o dever de prestar.

Há relatórios técnicos que demonstram como essa decisão ultrapassa os limites da razoabilidade técnica, e como seriam desastrosas para aquele sistema de transporte porque irreversíveis.  

Outros relatórios demonstram como erros do passado, relativos à segurança do transporte, à superlotação de de passageiros, aos custos de operação e custos de execução, já são causas de insustentáveis problemas na operação do Metrô do Rio. 

Por isso, a situação parece ser tão grave que já teria ultrapassado os limites da discricionariedade de escolha opcional da Administração Pública, onde se situam às margens da legalidade, para entrar na domínio da arbitrariedade: decisões em que não se identificam motivos técnicos razoáveis para dar legitimidade à decisão.

No passado, escolhas de mudanças de traçado e operação das linhas 1 e 2 do mesmo Metrô geraram, e estão gerando, gravíssimos prejuízos aos cofres públicos, com contratos administrativos prorrogados, com a atual concessionária até 2038 e, sobretudo, com graves prejuízos à prestação de serviços à população.  

Esses erros crassos estão relatados, sobretudo, em duas ações judiciais propostas: uma ação popular (confira), proposta pelo atual Dep. Alessandro Molon, que relata as irregularidades da prorrogação contratual, até 2038 com a atual concessionária. (Link do processo

A outra, proposta pelo Ministério Público Estadual (confira), em que estão relatados erros absurdos na operação, e na qual se pede, dentre outros pedidos relativos à segurança, e a operação dos serviços o seguinte:

"e) paralise, imediatamente, o serviço metroviário no trecho existente entre as estações CENTRAL e SÃO CRISTÕVÃO, hoje em operação, bem como entre a estação CENTRAL e a da CIDADE NOVA, esta última a ser ainda inaugurada, enquanto não estiver completamente finalizada: (i) a construção da ligação São Cristóvão - Central, com todas as características previstas no 6º TERMO ADITIVO; (ii) a construção das estações Cidade Nova e Uruguai;"

(Link do processo)

Pergunta-se: novos erros devem ser evitados?  O sistema jurídico brasileiro, na prática, não tem como impedir as novas decisões administrativas que afrontam os limites da razoabilidade técnica e da legítima discricionariedade administrativa?

Há mais de 50 anos foi acolhido, no sistema jurídico brasileiro, o princípio da responsabilidade objetiva do Estado na prestação de serviços públicos.  Esta norma tem status constitucional, pois está prevista no art.37 §6º da CF. 

A responsabilidade objetiva do Estado se baseia - no que se refere à prestação dos serviços públicos, aí incluído o de transporte coletivo - no pressuposto de que o Poder Público é responsável pelos serviços adequadamente prestados: ou seja, os serviços não podem ser mal prestados, prestados fora do tempo, ou simplesmente não prestados. 

Por isto, no caso do Metrô do Rio, está mais do que na hora de colocar em prática o que ensina nas escolas de Direito: ou seja, os fundamentos mais básicos de controle das decisões administrativas, e da eficiência da Justiça.

Confira abaixo: os pedidos da ação do MP estadual, e parte do relatório técnico relativo à linha 1 e 2.
Pedidos na ACP: Processo No 0062447-70.2010.8.19.0001

"a) resolver todos os problemas técnicos até então verificados, decorrentes de panes e demais defeitos a estas relativos em período não superior a 48 (quarenta e oito horas), retirando de circulação toda e qualquer composição ferroviária que não apresente condições seguras de trafegabilidade, procedendo, de imediato, a reparos outros necessários a evitar a ocorrência de novas panes ou outras irregularidades análogas, garantindo à população a prestação de serviço público metroviário eficiente, seguro, contínuo e adequado, sem colocar em risco a segurança e a vida das pessoas;

b) adotar, de imediato, medidas de segurança adequadas a evitar a superlotação de suas composições, quando do ingresso expressivo de pessoas em suas estações, informando através de avisos sonoros e/ou visuais que se encontram com lotação esgotada ou superior à prestação adequada do serviço, cessando de imediato a venda de passagens, até que se dê vazão ao número de usuários existentes nas estações até a obtenção de número compatível com a admissão de novos passageiros; 

c) respeitar, na pessoa de seus prepostos, a integridade física e psicológica de seus usuários, evitando que aqueles coloquem a vida e a segurança das pessoas em risco, devendo informá-las de forma adequada e eficiente por funcionários qualificados ou através de sistema de som apropriado acerca dos problema técnicos ocorridos quando da paralisação inesperada de seus serviços, a fim de se evitar pânico entre os passageiros;


d) informar, de imediato, quaisquer atrasos ocorridos, bem como seus motivos, aos passageiros, tanto nas composições quanto nas estações de cada ramal metroviário, fornecendo uma previsão mínima para o restabelecimento do serviço;

e) paralisar, imediatamente, o serviço metroviário no trecho existente entre as estações CENTRAL e SÃO CRISTÕVÃO, hoje em operação, bem como entre a estação CENTRAL e a da CIDADE NOVA, esta última a ser ainda inaugurada, enquanto não estiver completamente finalizada: (i) a construção da ligação São Cristóvão - Central, com todas as características previstas no 6º TERMO ADITIVO; (ii) a construção das estações Cidade Nova e Uruguai; (iii) a adequação, operação e ampliação do atendimento do serviço metroviário pelos novos 114 carros metroviários adquiridos e que circularão no sistema com intervalos máximos de 04 (quatro) minutos; (iv) a implantação do sistema de piloto automático entre as estações Central e Cidade Nova; (v) a substituição do sistema de sinalização provisória atualmente implantado na Linha 2 por outro mais moderno e automatizado para o controle de tráfego dos trens entre as estações Cidade Nova e Pavuna, de modo a se verificar o tempo máximo de 04 - quatro - minutos de intervalo entre as composições metroviárias, bem como um serviço de transportes metroviário seguro, eficiente, adequado e contínuo a ser comprovado por perito a ser designado futuramente para tanto por este juízo;

f) restabelecer, também imediatamente, o sistema de baldeação outrora existente na estação da ESTÁCIO para acesso à linha 02, com destino atual até PAVUNA, enquanto não verificadas as condições para o restabelecimento da união da linha 01 com a linha 02, conforme mencionado no item anterior, devendo-se a fazer todas as manobras operacionais para tanto e ser operado todo o sistema de sinalização e automação outrora em funcionamento;

g) restabelecer o número de composições metroviárias com no mínimo seis vagões, a fim de fazer frente à vazão de passageiros hoje existente, com o satisfatório funcionamento dos aparelhos de ar-condicionado, sem prejuízo de sua modificação em razão de dados técnicos outrora aprovados pelo Poder Concedente ou pelo órgão regulador do setor que otimizem o serviço metroviário em questão; 

h) cessar imediatamente qualquer propaganda ou oferta do serviço metroviário utilizando a união entre a linha 01 e a linha 02 por qualquer forma veiculadas, até que se verifiquem todas as condições de operacionalidade do item e."

Relatório técnico inserido na petição inicial da ação acima (autoria Dr. F.Mac Dowel)

"2 ANÁLISE DA PROPOSTA DA CONCESSIONÁRIA 
CROQUI DA CONSTRUÇÃO PROVISÓRIA 


A Proposta da Concessionária para resolver os gargalos operacionais na Linha 2 ressaltando a operação na Estação Estácio que é uma estação projetada e definitiva de correspondência com a Linha 1, opera há quase 30 anos como terminal provisório da Linha 2 movimentando inadequadamente mais de 11 mil passageiros por hora de pico que chegam nessa estação através da Linha 2, passa pela construção provisória de um viaduto de 2 km em via singela e de 800 m em via dupla, e interliga diretamente a Estação São Cristóvão da Linha 2 à Estação Central da Linha 1 de integração com o Sistema de Trens Metropolitanos e pela implantação ainda de uma nova estação elevada denominada Prefeitura na altura da própria sede da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro apenas localizada na margem oposta da AV. Presidente Vargas.

A interligação com a Linha 1 se faz através desse viaduto provisório a ser construído nas imediações do Centro de Manutenção do Metrô, portanto situado ao longo da AVENIDA Presidente Vargas ligando-o ao acesso existente em declive de 4% à Estação Central, acesso esse, construído originalmente para os trens da Linha 1 saírem ou entrarem no Centro de Manutenção e ou ainda ser utilizado operacionalmente para retirar ou injetar trens na Linha 1 com uma velocidade de 10 km/h em face não apenas da limitação de velocidade imposta pelos respectivos aparelhos de mudança de via em cada sentido, mas principalmente quando o sentido do deslocamento do trem for em declive de 4%.

Por exemplo, uma frenagem de emergência a 80 km/h no sentido do declive a distancia até a parada do trem é de 36% maior em relação à situação em nível, isto é com declive zero. 

Para os técnicos

SVI()1.25nwN()1000g0V3.6VVnwN()1000fitaV3.6()RdTV3.6wNn()RrwNnI()dS804()271.771<-- distancia de frenagem (m) em declive de 4%S800()199.178<-- distancia de frenagem (m) em nível.

Já no sentido inverso, o trem deixando a estação Central no sentido Pavuna terá que vencer a resistência acidental provocada agora pelo aclive mais a resistência de curva devido ao traçado em "S", exige uma distância maior que o triplo (3,4) comparativamente a não existência desse aclive, para atingir a mesma velocidade de 74 km/h, que corresponde a velocidade máxima para vencer a rampa de 4%, por exemplo. 

Para os técnicos do setor a comprovação dessa afirmação, levando em consideração as curvas de desempenho do trem do metrô (força tratora em função da velocidade e assim por diante) a determinação das distancias em nível e em aclive de 4% relativa a aceleração de 0 a 74 km/h.,(...). 

A seguir a curva de desempenho, força tratora (kgf) em função da velocidade (km/h) do trem do METRÔ-RIO e as correspondentes curvas das resistências totais ao deslocamento, em nível e em aclives de 2, 3 e 4%. 74 km/h, que corresponde a velocidade máxima para vencer a rampa de 4%, por exemplo(...) 

Cabe ressaltar, que o coeficiente de atrito entre a roda do carro do METRÔ e o trilho é decrescente com o aumento da velocidade do trem na via e ainda apresenta valor extremamente baixo se comparado ao coeficiente de atrito pneumático em superfície lisa. 

Da mesma forma a resistência ao movimento do trem que joga a favor da frenagem é 6,5 vezes menor que a resistência ao movimento do trem dotado de pneumático em superfície lisa, que é o caso de algumas linhas do METRÔ de Paris, bem como nos metrôs de Montreal, Santiago e México que adotaram essa tecnologia francesa sobre pneumático. 

A idéia operacional da Concessionária é de passar o atual headway na Linha 2 de aproximadamente 4 min e 15 segundos, com trens de 4 e 5 carros para 4 min com trens de 6 carros a partir da Estação Pavuna adentrando na Linha 1 através do mencionado acesso à Estação Central chegando até a Estação Botafogo a cada 4 minutos com o mesmo trem. 
Para que isso possa ocorrer, esses trens advindos da Estação Pavuna na Linha 2 terão que cruzar em nível com os trens oriundos da Tijuca também a cada 4 minutos, através do artifício físico operacional denominado ligação em "Y" das duas linhas, que quer queiram quer não, é uma operação de risco maior de acidente em relação ao tipo de operação original sem cruzamento de trens em nível, ainda agravado pelo traçado por este apresentar a seqüência de declives mostrados no croqui anterior e que para essa condição de cruzamento em declive de 4% desafio mostrar no mundo algo que opere como pretende a Concessionária. 

A operação em "Y" que corresponde ao cruzamento em nível de dois trens consecutivos, ou seja, o primeiro que vem da Pavuna a cada 4 min em declive, com o segundo que vem da Estação Saens Peña em nível também a cada 4 min e ambos entram na mesma linha e no mesmo sentido, resultando em headway de 2 min no trecho compreendido entre as estações Central e Botafogo. 

Alem de engessar o Metrô reduzindo sua capacidade de escoamento original de 100 segundos na Linha 2, por exemplo, para 4 min com a solução proposta pela Concessionária, abandona ainda a Estação Estácio na Linha 2. (...)

Na seqüência a foto do acesso original à Linha 1 para retirada de trem para o Centro de Manutenção do Metrô e ou de injetar trem na operação da Linha 1, mas que através da solução proposta pela Concessionária passaria a ser linha operada normalmente, apenas emendada com o mencionado viaduto provisório, e na seqüência fornece-se a foto do acesso da Linha 2 ao Centro de Manutenção com a mesma finalidade operacional original descrita para a Linha 1.

O METRÔ do Rio é um dos raros metros no Mundo que apresenta essa racionalidade operacional estratégica DE ACESSAR INDEPENDENTEMENTE DUAS que resulta em menor custo operacional e de capital. 

Esta concepção facilita ainda as injeções de trens nas duas linhas durante o período operacional. 

Por outro lado, a concepção do Centro de Manutenção do METRÔ Carioca, interliga as Linhas 1 e 2 através da chamada via de Teste, que tem a finalidade normativa de segurança de que nenhum trem pode entrar em operação sem antes ser testado em verdadeira grandeza nessa linha teste de 823 m de extensão. 

Assim, o acesso ao Centro de Manutenção da Linha 2 se faz quase no mesmo nível da Linha através de viaduto que passa sobre a AVENIDA Francisco Bicalho em via singela. 

Já o acesso da Linha 1 ao Centro de Manutenção é feito através de uma rampa de 4% em uma via enquanto no sentido contrário por outra com declive de 4% que tem a finalidade de permitir a injeção de trem na Linha 1, se situando na área contígua a estação Central, conforme mostra o próximo croqui. 

Em face da importância e a complexidade do assunto que poderá limitar o Sistema METRÔ-Rio e, portanto, comprometendo inclusive os investimentos já realizados na sua implantação com recursos pagos pela Sociedade, é que se desenvolveu de forma clara este Parecer Técnico Conclusivo alicerçado em análise sistêmica englobando as relativas à operação, demanda, ambiental e financeira entre as alternativas, hoje em discussão entre a Concessionária e o Governo do Estado.(...)

Até porque se o Y fosse "a" solução operacional, tanto o Metrô de São Paulo, quanto o Metrô do Rio já teriam utilizado esse artifício e nunca o fizeram exatamente pelo fato de que Metrô é um sistema de transporte de massa e como tal deve operar com baixo headway. 

Ou seja, esse tipo de operação em "Y", recebendo trens da Pavuna a cada 4 min e trens da Tijuca a cada 4 min, resultam em intervalo (headway) teórico entre trens a cada 2 min no trecho da Linha 1 compreendido entre as estações Central e Botafogo, vide o próximo croqui.(...)

O fato concreto é que os intervalos entre trens consecutivos não se comportam deterministicamente, mas segundo diferentes níveis de distribuição probabilística do tipo ERLANG, em que pese à automação total dos trens no trecho medido entre as Estações Saens Peña e Botafogo na Linha 1, como foi mostrado no RELATÓRIO TÉCNICO. 5010015020025030035040000.511.522.53FREQUÊNCIA DOS

Não se acerta o relógio com a chegada do trem de metrô na estação! "

2 comentários:

Anônimo disse...

Corajosa matéria, vereadora, porque vi o secretário defender os aventureiros que operam a concessão do metrÔ, em audiência pública na ALERJ, afirmando até que existem laudos técnicos de franceses e da COPPE garantindo a segurança da operação da linha 1A. Na qualidade de ex-controlador de tráfego do metrô, defenestrado de lá porque discordei do gerente que insistiu em implantar o "Y" em Central, e ele nem é engenheiro, afirmo q meus colegas que ficaram lá são pressionados a trabalhar assim, apertando um botão que muda a rota do trem a cada 2 e meio minutos, entre Praça Onze e Cidade Nova. Até hoje o secretário está devendo esses laudos que atestam essa total insegurança do metrôRio privatizado. Cadê os deputados que ouviram as promessas do senhor secretário sumido?

Sonia Rabello disse...

Obrigada por seu depoimento. Seguiremos difundindo a informação que temos, como forma de conscientização para mudança!