sexta-feira, 10 de junho de 2011

Um homem e o seu legado

Ontem faleceu um homem extraordinário: Maurício de Almeida Abreu.

Geógrafo de formação, mas intelectual multidisciplinar e pesquisador apaixonado que fez do Rio de Janeiro o seu tema de eleição, dedicando-se a revelá-lo para nós, seus contemporâneos, e deixando o legado dessas revelações para as gerações futuras.

Este legado encontra-se reunido em duas obras de fôlego: "Evolução urbana do Rio de Janeiro" e “Geografia Histórica do Rio de Janeiro - 1502-1700”, referências fundamentais para o conhecimento sobre a cidade.

Com rigor intelectual e olhar de artista, Maurício de Almeida Abreu, fez, literalmente, de sua carreira uma viagem de redescoberta da formação da cidade e das transformações urbanas, por ela sofrida, operadas pela destruição truculenta de espaços originalmente traçados e construídos em harmonia com as dimensões humanas.

Maurício de Abreu foi, assim, um geógrafo que atuava verticalmente, pois radiografava, lançando mão, com destreza, dos instrumentos de diversos saberes para chegar à fisicalidade essencial e fundadora de nossa tão maltratada, mas ao mesmo tempo, tão bela cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Registro aqui, pessoalmente, meu pesar pela perda desse homem de inestimável valor humano e intelectual, que fará muita falta. Resta, contudo, a certeza, de que seu legado permanecerá como uma advertência de que a luta pela integridade urbana, histórica, política e social do Rio de Janeiro constitui uma tarefa inescapável, que cabe a cada um de nós.

Leia mais:

Em abril deste ano, fiz uma homenagem a Maurício de Almeida Abreu na Câmara Municipal, condecorado com a Medalha Pedro Ernesto. Leia os cumprimentos feitos, na ocasião:

"Minha saudação ao professor Maurício Abreu só pode ser feita singelamente. Pois, somente através de um olhar singelo e despojado, pode-se entrever a abrangência e a profundidade de sua contribuição para as sucessivas revelações sobre a cidade do Rio de Janeiro e suas vizinhanças imediatas. E, para ficarmos apenas em dois trabalhos seminais, mencionarei aqui as obras `Evolução urbana do Rio de Janeiro´ e a `Geografia Histórica do Rio de Janeiro – 1502-1700´.

Contudo, o conjunto de sua obra é tão amplo e vertical que se torna difícil, e mesmo impossível, circunscrevê-lo a uma só disciplina. Pois nele concorrem muitos campos: a geografia, A história social e urbana, a etimologia, a cartografia e a arqueologia de sítios, caminhos e situações vividas pela nossa cidade do Rio de Janeiro.

Acredito que a amplitude e a verticalidade dessa obra se devam ao fato de serem indissociáveis da vida de seu autor. Disso resulta que o que nela se organiza, com impecável rigor acadêmico, reflete a paixão que a norteia, desaguando num relato onde saber e sabor andam de mãos dadas. E, assim sendo, congrega especialistas e leigos na contemplação dos deslocamentos dos espaços, da sombra e da luz, dos ritmos, enfim, das metamorfoses pelas quais passaram essa cidade que Carlos Drummond de Andrade um dia chamou de um `castelo de sol e água´.

Maurício de Almeida Abreu preenche o perímetro desse castelo com terra, solo onde se pisa, se transita, se edifica e se destrói, onde se vivem e tecem acordos e conflitos e, à sua maneira, guardadas as diferenças de pressupostos teóricos e metodológicos, o autor empreende em sua `Geografia Histórica do Rio de Janeiro – 1502-1700´ uma narrativa de fôlego tão profundo quanto a que Fernand Braudel erigiu para `O Mediterrâneo´.

A meu ver, Maurício de Almeida Abreu, com a perícia e a delicadeza de um restaurador de telas antigas, tem nos revelado os pentimentos, ou seja, as camadas da geohistória da cidade do Rio de Janeiro encobertas pelo tempo, pelos lapsos, desvios,esquecimentos e silêncio. Camadas que, expostas à luz, configuram-se em panoramas vivos, superpostos e móveis desse lugar que, por mais que se tente desfigurá-lo, reaparece insinuando-se aos nossos olhos, fazendo-nos perguntas e exigindo-nos respostas sempre urgentes e incontornáveis. Maurício de Abreu delas nunca se esquivou. Com isso, tem zelado para que esse lugar se re-apresente constantemente como a Mui Leal e Heróica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que nos convoca à tarefa de também por ele zelar.

A medalha Pedro Ernesto, que esta Casa hoje tem o orgulho de entregar a Maurício de Abreu, significa uma homenagem singela a quem, da maneira mais dedicada e íntegra, tem sido leal ao Rio de Janeiro que é seu objeto de estudos e também sua paixão."

Um comentário:

Silvia Steinberg disse...

Maurício Abreu foi responsável pela formação de um olhar atento à cidade para muitas gerações. Seu livro, "A evolução urbana do Rio de Janeiro", tornou visível de forma extremamente consistente, o significado de desmontes, das remoções de populações de baixa renda, o estabelecimento do valor do solo em função da instalação de equipamentos urbanos e o significado de uma cidade construída em função do automóvel!

Chaves de leitura para a "Cidade Partida" posteriormente descrita por Zuenir Ventura?