quarta-feira, 22 de junho de 2011

Leis pontuais versus interesse coletivo

Há duas semanas, lançamos aqui uma pergunta: qual é a tarefa de um parlamentar? Na ocasião, lembramos que, ao invés de propor enxurradas de leis e aprová-las apressadamente, a tarefa do parlamentar deveria ser mais a de debater exaustivamente os projetos, ponderando sobre sua relevância para a comunidade.

Por coincidência, o jornal "O Globo" iniciou no domingo, 19 de junho, uma série de reportagens sobre a absurda quantidade de leis propostas e aprovadas no Brasil nas esferas federal e estaduais: 75.517 leis entre 2000 e 2010.

Boa parte delas, sendo inconstitucionais, tem por destino o lixo. Quer dizer, vão para o lixo o tempo dos parlamentares e o dinheiro do contribuinte que os remunera para bem legislar.

Aprofundando o debate anteriormente lançado aqui, seria pertinente insistirmos sobre a importância da elaboração bem fundamentada das leis e de sua utilidade pública, chamando a atenção para o caráter de generalidade que as reveste e que é o fator de garantia da democracia legal.

Convém lembrar que todos são iguais perante e na lei. O que vale dizer, que, enquanto regra, a lei, se justa e equitativa, não dá lugar à exceção concretizada no ato de fazer uma lei com destino certo: para alguém, ou para alguma situação específica.

Se exceção há ou se exceções são propostas, esvaziamos a lei de sua integridade e sua finalidade precípua. É o que assistimos, neste momento, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, quando três tentativas de mutilação do Planejamento Geral da Cidade, por meio de três propostas de leis pontuais, ameaçam sacrificar o zoneamento da cidade. Senão, vejamos:

O Projeto de Lei Complementar 48 tem por objetivo autorizar a construção no Forte do Leme, área de preservação ambiental e cultural, de um conjunto residencial multifamiliar para uso dos militares.

O projeto prevê a construção de quatro prédios de quatro pavimentos, sendo um deles destinado a garagens, numa área de lazer composta de quadras de esportes, utilizadas pelos alunos das escolas públicas da região.

A justificativa: o Exército tem dificuldades de encontrar moradia para os militares no Rio... Justo, talvez, mas fora de qualquer avaliação no contexto do bairro, que ainda não possui uma legislação geral.

O Projeto de Lei Complementar 47, por sua vez, visa a autorizar a construção da nova sede do Banco Central “no trecho da Área de Especial Interesse Urbanístico da Região do Porto do Rio de Janeiro”, o Porto Maravilha.

Em mensagem à Câmara Municipal, o Prefeito Eduardo Paes alega ser este um projeto que vai “ao encontro da Lei do Porto, que levará à região novas atividades de negócios e serviços” e que contribuirá e estimulará “as melhorias urbanísticas e a ocupação dos vazios urbanos existentes no seu entorno”.

Será isto mesmo ou apenas mais uma exceção que comprometerá desastrosamente a harmonia da regra?

Diz-se que, por meio de recurso similar, o prédio residencial Morro da Viúva, no bairro do Flamengo, poderia ser transformado em apart-hotel.

Por sua localização privilegiada, com acesso às principais avenidas da Zona Sul da cidade e ao aeroporto Santos Dumont, o edifício despertou o interesse do empresário Eike Batista, que por ele pagará, dizem os jornais, R$ 18 milhões ao seu proprietário, o Flamengo Futebol Clube.

E assim, de lei pontual em lei pontual, vai-se desfazendo a equitatividade do ato legislativo, equitatividade esta que resulta justamente do fato de ele não ser pontual. E, de grão em grão, os interesses particulares vão ignorando o que a lei, ao se instituir, estabeleceu como sendo de interesse coletivo.


3 comentários:

Erico disse...

Vereadora, posso fazer uma crítica construtiva? A senhora parece apenas querer atacar as iniciativas das outras pessoas, sem propor nada de positivo para a cidade. Por exemplo, os conjuntos residenciais para os militares me parecem uma reivindicação muito sensata, assim como o apart-hotel no morro da Viúva e a nova sede do banco Central. Não entendo esse ataque da senhora. A cidade só teria a ganhar com essas obras. Obrigado.

Daniela disse...

A Vereadora não está atacando ninguém. Simplesmente está expondo fatos. A Prefeitura anda fazendo o que bem interessa a ela e a pequenos grupos e esse não é o papel a que tem que se prestar.O LEME é um bairro de apenas duas entradas e duas saídas e só vem sendo impactado peloes interesses particulares e não coletivos como deveria.A Prefeitura dá licença para vários restaurantes, fecha rua para virar canteiro de obra sem consulta pública, que acabar com área de lazer e modificar tombamento do Forte do Leme...isso é crime (coloque os conjuntos habitacionais militares na Av. Brasil ou no Projeto mentiroso do Morar Carioca do LEME).Esse projeto nada tem de urbanístco...é de reassentamento cujo limite não contempla uma massa de pessoas que estão em encosta ( área invadida da cota 80 os terrenos particulares do sprédios que se localizam na Roberto Dias Lopes , Gustavo Sampaio e Anchieta por exemplo) no Morro da Babilônia.O Rio está sendo loteado e ainda acham que é progresso!

Sonia Rabello disse...

O nosso objetivo é uma discussão de fatos. E ter pontos de vista diverso não pode ser considerado ataque. Debate é sadio, no nosso ponto de vista, para alcançarmos o consenso de um planejamento mais abrangente para a cidade, e menos pontual. E por isso mesmo agradeço sua participação, Eurico, neste blog.