segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Calatrava e o Museu do Amanhã.

Quem será? Qual será?

Foto computadorizada mostra como deve ficar o Centro do Rio
depois de pronto o Museu do Amanhã. (Divulgação)
As obras de “revitalização” da região portuária do Rio impressionam por uma dupla grandiosidade: a dos projetos e a da falta de planejamento.

A "Veja Rio" desta semana nos dá notícias do Museu do Amanhã que, a princípio, deveria estar finalizado em agosto de 2012, quando acontece, na cidade, a Rio +20 - a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Deveria, mas não estará.

O motivo: desde que foi apresentado, em fevereiro de 2010, o projeto – uma grande estrutura futurista de autoria do arquiteto espanhol Santiago Calatrava – tem sofrido revisões e alterações e, no momento, encontra-se parado.

Segundo a revista, o problema da vez está relacionado às placas do teto ondulado do museu, cujas engrenagens só são fabricadas por uma empresa de confiança de Calatrava, que cobra um preço absurdo para confeccioná-las.

E mais: “o número de eixos previsto no desenho original, que era de 42, foi reduzido a dois, e a prefeitura neste momento procura um novo fornecedor”.

Os custos do projeto do Museu do Amanhã dobraram desde a sua apresentação e, agora em maio, sofreram nova majoração. (Confira aqui)

Do acima exposto, podemos concluir: mais do mesmo Santiago Calatrava, protagonista de histórias recentes, cujos desfechos são, no mínimo, polêmicos, segundo notícias publicadas fartamente em jornais espanhóis.

Para o jornal espanhol "El País" de 10/06-2011, Santiago Calatrava – nascido em Benimamet, Valencia, 1951 – tem maravilhado o mundo não só com suas obras, mas também por sua capacidade de gerar controvérsia por onde passa.

Suas obras surpreendem pelas formas impressionantes que nelas imprime e, também, pelos processos judiciais de que são objeto. (Confira neste link)

De acordo com o mesmo jornal, a última batalha judicial em que Calatrava esteve envolvido está relacionada com a construção em Oviedo (Principado de Astúrias) do Palácio de Congressos e Exposições.

Em agosto de 2006, um desmoronamento de parte da estrutura do edifício causou feridas leves em três trabalhadores e condenou Calatrava, seu escritório valenciano Hoc Signo Vinces, a promotora Fiaga e a subcontratada Esdehor a pagarem três milhões e meio de euros à seguradora Allianz.

O incidente foi atribuído a "um problema de projeto, direção e execução" da obra, imputável ao escritório de arquitetura. Além disso, alegou-se na vista do processo que "o pessoal era insuficiente”.

O escritório de arquitetura, por sua vez, atribuiu o acidente à construtora. Nessa brincadeira, Calatrava cobrou sete milhões de euros pela direção do projeto. E não compareceu ao depoimento que foi chamado a prestar à justiça, tudo segundo as notícias referidas.

O complexo de Calatrava em Oviedo – obra privada mais cara já realizada em Astúrias (79 milhões de euros) que reúne um centro comercial, um hotel quatro estrelas, as secretarias de Cultura e Saúde do Principado de Astúrias e um estacionamento subterrâneo –, desde o início, causou controvérsias por sua localização, espremido entre edifícios e visível apenas das zonas altas da cidade, e pela desproporção de seu tamanho em relação ao espaço onde foi erguido.

Calatrava recebeu 1,5 milhão de euros da Prefeitura de Oviedo por três projetos não executados, pois foram vetados pela câmara de vereadores local: o Palácio das Artes, a Faculdade de Belas Artes e o que seria a nova prefeitura municipal.

Fora de Oviedo, os problemas também pipocam: em Bilbao, a passarela de Zubizurri ficou mais conhecida como “passarela dos tombos" e a intervenção feita pelo arquiteto no aeroporto de Loiu eliminou a área de passageiros. Em Veneza, a ponte sobre o Grande Canal, projetada por ele, custou 11 milhões de euros. Sua inauguração, em 2008, foi feita na surdina, pois os temores de desmoronamento causaram polêmicas.

Para o "El País", Calatrava é “um verdadeiro profeta em sua terra”, pois não lhe falta o apoio dos governos do PP (partido de direita) para que, na Comunidade Valenciana e nas Baleares, suas obras proliferem concomitantemente com o aumento de seus custos.

Em março de 2006, o partido político Esquerra Unida denunciou a Generalitat (governo da Comunidade Autônoma) por assinar contrato, sem concorrência, com o arquiteto para o projeto e a construção de um Centro de Convenções em Castellón que custaria 60 milhões de euros.

Por essa empreitada, Calatrava teria cobrado 2,7 milhões. Somem-se a este, dois outros “projetos fantasmas” do arquiteto: um arranha-céu perto da Cidade das Artes e das Ciências de Valência e uma intervenção no porto de Torrevieja. Ambos foram paralisados. Pelas três empreitadas. Calatrava embolsaria 5,8 milhões.

Como se vê, as obras e as estripulias de Calatrava são muitas. Sempre de acordo com o "El País", a Cidade das Ciências e das Artes, sua obra espanhola mais famosa, “deveria custar 150 milhões de euros, mas o PP a modificou e passou a ser orçada em 308 milhões. Finalmente, 16 anos depois, o custo multiplica por dez o inicial, chegando a 1,282 bilhão de euros”.

Voltemos à questão que nos interessa: o Museu do Amanhã. Sabemos que o custo de seu projeto foi dobrado e majorado e que os eixos de sustentação de seu telhado serão reduzidos de 42 para dois. Isto posto, resta-nos perguntar: quem garante que a conta não ficará mais salgada e que a obra primará pela segurança, já que seu arquiteto vem cometendo temeridades estruturais mundo afora?

Sabemos que, até agora, já foram desembolsados pela Prefeitura R$ 26.692.290 para pagamento do prestação de serviços de desenvolvimento do projeto do Museu do Amanhã. E que estão empenhados R$ 2.965.810 para o mesmo fim.

Esses recursos, que perfazem um valor total de R$ 29.658.100, estão fundamentados no critério da inexigibilidade, ou seja, executados sem licitação. Ou seja, só para o projeto, cerca de 12 milhões de euros provenientes de recursos públicos da Prefeitura.

Até agora é esta a conta. Mas, quanto custará a obra deste famoso arquiteto estrangeiro?

Como controlar no orçamento a ser aprovado pela Câmara? Isto será de responsabilidade dos vereadores do Rio!

Saudades dos arquitetos nacionais!

Confira ainda os dados do contrato de execução financeira do projeto do Museu do Amanha aqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

O Rio de Janeiro precisa de um Calatrava desesperadamente. Os arquiteos nacionais estão mais preocupados em bajular as autoridades e não possuem envergadura para um projeto desta maginitude. Cidades como Bilbao, Lausanne, Barcelona sairam do anonimato e da decadência graças a intervenções de arquitetos chamados de "STARCHITECTS" - sempre polêmicos e inovadores. Esta polêmica ativa a curiosidade do cidadão a dá de presente à cidade um ícone a ser explorado de diversas maneiras. O risco é o de a revitalização da área portuária cair nas mãos dos reacionários politiqueiros do governo e acabar em pizza, como tudo neste país. O Calatrava tem prestígio e competência para atrair bons ventos para a cidade do Rio de Janeiro. A cidade tem cara e fama de balneário decadente e só um arquiteto como o Calatrava para ajudar a mudar esta imagem.

Conrado Vivacqua disse...

Maravilhoso Sônia, como estudante de arquitetura, poder encontrar aqui no seu blog este tipo de discussão que dá voz a tantas críticas que fomentamos na academia. Erros crassos da gestão pública que já pareciam previsíveis para quem conhece minimamente um histórico a respeito de obras como esta do Museu do Amanhã. Vale lembrar que parecido com os já polêmicos tetos móveis projetados por Calatrava para o Rio, as aberturas móveis propostas por Jean Nouvel para o Instituto Árabe de Paris na prática não se mostraram operáveis e hoje estão imóveis.

Não sou contra a participação de grandes estrelas da arquitetura internacional na discussão de nossas cidades e arquiteturas, mas muito me preocupa como são feitas estas escolhas. Me parece que arquitetos internacionais são escolhidos por prefeitos ao seu próprio gosto, ou de seus parentes e amigos, como se estivessem escolhendo o decorador preferido para sua casa. Obras de tamanha envergadura e impacto na cidade deveriam ser fruto de um colegiado especializado, que discutisse regularmente as escolhas da cidade e o CAU seria uma bela casa para isso. Ou senão um concurso público, oras bolas!

Para finalizar, não entendo porque atrelar este projeto megalomaníaco com a conferência Rio+20. Em nada o Museu do Manhã me lembra os motivos reais da conferência, nem em seu paisagismo artificial e tão pouco em seus espelhos de água limpa sobrepostos à poluida baía da Guanabara. Piada sobre nossa incapacidade de limpar a baía? Sinto falta de projetos como o das Lonas Culturais, fruto de uma ousada iniciativa que orientava que as estruturas da ECO92 fossem reaproveitadas para fins sociais e culturais. Isso sim tem tudo a ver!