O Governador do Rio destombou o Sambódromo. E foi por recomendação do próprio Conselho Estadual de Tombamento (CET)! Uma contradição? Não. Foi uma medida radical para salvar a “moral” do instituto do tombamento. E eu, que à época ainda fazia parte deste insigne Conselho, votei a favor de tal medida. A história foi a seguinte:
Fazia parte dos planos “construtivos” do legado “Copístico” e Olímpico a ampliação das arquibancadas do Sambódromo, exatamente onde se localiza o prédio da Brahma, no Catumbi. Para isso teriam que demolir parte do que é atualmente o Sambódromo, para alterá-lo substancialmente naquele ponto.
Para obter recursos para tal obra, a Prefeitura resolveu negociar com uma empresa privada, índices de construção ampliados para o terreno lateral ao Sambódromo, onde se situa o prédio da Brahma.
Ora, o prédio da Brahma não era tombado, mas era vizinhança – entorno – de bem tombado, e já tinha sido alvo de anteriores investidas de construção que descaracterizariam a ambiência do bem tombado – o Sambódromo. Por este motivo, as investidas anteriores haviam sido sempre negadas pelo CET.
Mas desta vez, a Prefeitura, dona do Sambódromo, já havia feito aprovar na Câmara Municipal lei autorizativa da operação urbana do Sambódromo – permitindo a troca dos índices construtivos de prédio comercial pelo custo de ampliação do bem tombado. E tinha mais: o sempre absoluto interesse da Copa, e das Olimpíadas, e o seu sempre legado irresistível para a Cidade.
Enfim, a obra iria se realizar, e ao Conselho de Tombamento restava verificar se a mesma era compatível, ou não, com o tombamento do Sambódromo, cujo pressuposto legal é a conservação das características do bem e do seu entorno. Não era.
Então, qual a solução jurídica decente? O CET não poderia inventar uma compatibilidade. Mas a lei permite que, quando houver um interesse público em conflito com a manutenção de um bem tombado, cabe ao Chefe do Executivo a prerrogativa de destombar um bem. Ou seja, optar entre um ou outro interesse público; optar pelo interesse cultural do bem, tal como ele se encontra, ou alterá-lo para outro interesse público que ele ache mais relevante. Foi então feito.
O CET disse ao Governador que a modificação substantiva do Sambódromo era incompatível com o seu tombamento. Ao optar por fazer a obra, entendida como essencial e relevante, haveria de se destombar o bem, já que os seus pressupostos se excluem. E a opção foi feita.
Estas são as opções pelo legado. Ao menos salva-se o sentido e a moral do instituto do Tombamento.
Em tempo: o Maracanã também é um bem tombado pelo IPHAN. No entanto, vendo as fotografias das obras que estão sendo realizadas, e que foram publicadas amplamente pela imprensa com o título “só ficou a casca”, é difícil entender de que modo a substancial alteração daquele estádio histórico seja compatível com o pressuposto da conservação das características daquele bem, pelo tombamento?
Deve ter sido objeto de uma ginástica mental surreal, por parte do IPHAN...
Desmoralizar o instituto jurídico é o meio mais rápido de se acabar com ele, após 70 anos de esforços nacionais. Parabéns pela estratégia!
3 comentários:
Nem a casca vai sobrar do Maracanã, visto que a cobertura está comprometida estruturalmente e será substituída por outra conforme exigências da FIFA.
ENTENDO QUE A ALTERAÇÃO DE UM BEM TOMBADO PODE SER SER VISTA DE VÁRIAS FORMAS: O QUE SE QUER COM O TOMBAMENTO? MANTER A ESTRUTURA DO BEM, PELA SUA NOTORIEDADE ARTÍSTICA, HISTÓRICA, CULTURAL. nO CASO DO MARACANÃ, ACHO QUE PRETENDE-SE PRESERVAR O ESTÁDIO, NÃO NECESARIAMENTE COM AS SUA CARACTERÍSTICA ORIGINAIS, QUE HOJE JÁ NÃO MAIS ATENDEM AOS FINS A QUE SE DESTINAM.....MAS O ESTÁDIO SERÁ PRESERVADO, E O FUTEBOL ALÍ CONTINUARÁ A APRESENTAR OS SEUS MAIS CÉLEBRES EVENTOS.
Então é simples assim: o chefe do poder executivo (o prefeito) pode destombar segundo "interesses públicos" mais relevantes... Construções antigas no subúrbio serão atropeladas pela Transcarioca. Se fosse na zona sul, teríamos atenção e comoção geral. Como é no subúrbio, o prefeito se utiliza de uma brecha muito conveniente na legislação municipal!
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