Mencionamos, na segunda-feira, dia 11, que o Projeto de lei complementar nº 44/2010 está prestes a ser aprovado pela Câmara Municipal do Rio sem qualquer Plano técnico explícito que o justifique. Não há estudos encaminhados, custos demonstrados, nem as contas do que se está dando, como benesses, à iniciativa privada.
Porém destaco, ainda, três aspectos relevantes:
a) O projeto de lei faz uso de um instrumento urbanístico que, previsto no Plano da Cidade de 1992, não foi inserido dentre os instrumentos do Estatuto da Cidade: a chamada “operação interligada”. Esta, por ser um misto de operação urbana e de outorga onerosa é de duvidosa legalidade! Com ela se pretende vender índices construtivos, sem os cuidados e sem as exigências previstas no Estatuto. Por que o retrocesso?
b) O projeto, embora defira aumentos de edificabilidade na Cidade, não captura as mais valias urbanas, conforme determinam as diretrizes do Estatuto da Cidade, especialmente no art.2º, inciso IX. O projeto beneficia diretamente os donos de terrenos, dando-lhes gratuitamente enormes vantagens financeiras, a título de “incentivo”, sem recuperar para a cidade - para seus cidadãos - nem os custos das infraestruturas decorrentes, ou ao menos parte do lucro resultante do aumento da edificabilidade. Por que o retrocesso?
c) O projeto de lei não reserva, nas áreas incentivadas, qualquer parcela de terra destinada à habitação social. Se os jogos irão gerar lucros para a Cidade, pergunta-se: aonde irão morar os pobres? Como terão acesso à habitação, se o planejamento não prevê espaços territoriais para eles? Por que o retrocesso?
Quem sobreviver, verá o por quê!
Com relação ao assunto vale a pena ler o artigo de Andrea Redondo abaixo.
O PACOTE OLÍMPICO
Andréa Albuquerque G. Redondo*
As leis urbanísticas da Cidade do Rio de Janeiro estão na berlinda. Enquanto o Plano Diretor tramita desde 2006, a aprovação do projeto de lei apelidado Pacote Olímpico enviado à Câmara Municipal em 30/08/2010, adiada provavelmente devido às eleições, não aguardará o segundo turno. Decidido em primeira votação na última quinta-feira, a proposta poderá ser aprovada pelos vereadores no próximo dia 13, após o feriado prolongado, um verdadeiro recorde.
Aumentar o número de acomodações devido à demanda criada pela Copa do Mundo de Futebol em 2014 e pelos Jogos Olímpicos em 2016 é a justificativa para o alegado incentivo à indústria hoteleira no Rio, contexto em que surgiram surpreendentes emendas anônimas inseridas no projeto de lei do Plano Diretor. Entre outras estranhezas, as modificações sem paternidade permitiriam a construção de hotéis em toda a cidade praticamente livres de normas como ocorreu na década de 1970, quando a volumetria, altura do prédio e a ocupação do lote era ilimitada, tempos em que a participação popular nessas matérias engatinhava.
Cancelada a publicação das emendas após clamor geral, as propostas hoje são oficiais conforme o Pacote de autoria do Poder Executivo. Aparentemente o aumento expressivo do gabarito dos hotéis foi reduzido, e os ditos incentivos, provisórios, estendem-se da Ilha do Governador ao Centro e Copacabana, da Barra da Tijuca às Vargens e Guaratiba, contemplam o Alto da Boa Vista e Realengo, prevêem torres no Sambódromo, e venda de patrimônio municipal.
Antes o caráter do “benefício” era explícito: prédios de porte igual ao dos gigantes da orla seriam replicados. Agora as regras são sutis. Ao contrário da afirmação de que os índices urbanísticos vigentes serão mantidos, mais uma vez liberam-se os gabaritos dos hotéis, desta feita com norma intrincada que exigirá o esforço de projetistas e empreendedores para usufruí-la ao máximo: por exemplo, escadas, corredores, elevadores, dependências, estacionamentos, áreas de lazer e centros de convenções são excluídos da área de construção e da volumetria fixadas para o lugar por lei, como se tais compartimentos, inexistissem.
O aspecto das futuras construções é imprevisível, pois o resultado volumétrico – tamanho dos prédios e número de andares - dependerá do programa hoteleiro, da criatividade dos projetistas e de uma boa calculadora ou software. Quanto maior a proporção entre setores de apoio e áreas dos quartos, maior será a construção. Por exemplo, em lote de 2000m² com potencial construtivo de 4000m², o projeto aumentará na medida do bônus correspondente à área dos cômodos que “não contam”. Portanto, diante de tantos espaços e volumes desconsiderados, afirmar que os parâmetros urbanísticos vigentes serão obedecidos é irreal e enganoso.
Para usufruir dos benefícios, aos quais se somam isenções fiscais, será necessário gravar do uso do edifício com a finalidade hoteleira, isto é, não importam adventos futuros, queda na demanda ou falências: uma vez hotel, sempre hotel, obrigação ilusória por ser imponderável e incontrolável, talvez o motivo pelo qual a lei não preveja sanções pelo seu descumprimento. Para que serve então o gravame?
O pragmatismo remete ao abandono dos hotéis Meridien, Nacional e São Conrado Palace, e ao esqueleto do Gávea Tourist Hotel, todos erguidos à base de privilégios; um deles reaproveitado com a aplicação de recursos públicos, não é mais hotel... Por ironia, na nova lei o Nacional é aquinhoado com benefício extra: a construção, no mesmo terreno, de um centro empresarial desconsiderada a existência da torre cilíndrica no cálculo do potencial construtivo.
Mais estranha é a ausência de estudos técnicos demonstrando que sem tais ofertas os hotéis não seriam construídos, pois a demanda criada com a Copa e os Jogos é real mesmo sendo os eventos passageiros. Por outro lado pretender eternizar usos e atividades é argumento frágil que não resiste aos riscos normais dos negócios e à dinâmica da cidade.
Mais conveniente seria respeitar o os índices urbanísticos e não vedar a transformação de hotéis em residências, escolas e escritórios, por exemplo, caso diminua a procura por hospedagem. Não parece lógico criar privilégios e marcar o perfil do Rio de Janeiro em troca de um suposto proveito para a cidade cujo retorno sequer foi demonstrado.
Variação das emendas órfãs, a nova lei passa ao largo do Plano Diretor e perderá a validade, mas o resultado será perene, bem como a ausência de preciosos recursos públicos dispensados.
*Arquiteta, foi Subsecretária Municipal de Urbanismo(1993-1996) e Presidente do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro(2001-2007).
As leis urbanísticas da Cidade do Rio de Janeiro estão na berlinda. Enquanto o Plano Diretor tramita desde 2006, a aprovação do projeto de lei apelidado Pacote Olímpico enviado à Câmara Municipal em 30/08/2010, adiada provavelmente devido às eleições, não aguardará o segundo turno. Decidido em primeira votação na última quinta-feira, a proposta poderá ser aprovada pelos vereadores no próximo dia 13, após o feriado prolongado, um verdadeiro recorde.
Aumentar o número de acomodações devido à demanda criada pela Copa do Mundo de Futebol em 2014 e pelos Jogos Olímpicos em 2016 é a justificativa para o alegado incentivo à indústria hoteleira no Rio, contexto em que surgiram surpreendentes emendas anônimas inseridas no projeto de lei do Plano Diretor. Entre outras estranhezas, as modificações sem paternidade permitiriam a construção de hotéis em toda a cidade praticamente livres de normas como ocorreu na década de 1970, quando a volumetria, altura do prédio e a ocupação do lote era ilimitada, tempos em que a participação popular nessas matérias engatinhava.
Cancelada a publicação das emendas após clamor geral, as propostas hoje são oficiais conforme o Pacote de autoria do Poder Executivo. Aparentemente o aumento expressivo do gabarito dos hotéis foi reduzido, e os ditos incentivos, provisórios, estendem-se da Ilha do Governador ao Centro e Copacabana, da Barra da Tijuca às Vargens e Guaratiba, contemplam o Alto da Boa Vista e Realengo, prevêem torres no Sambódromo, e venda de patrimônio municipal.
Antes o caráter do “benefício” era explícito: prédios de porte igual ao dos gigantes da orla seriam replicados. Agora as regras são sutis. Ao contrário da afirmação de que os índices urbanísticos vigentes serão mantidos, mais uma vez liberam-se os gabaritos dos hotéis, desta feita com norma intrincada que exigirá o esforço de projetistas e empreendedores para usufruí-la ao máximo: por exemplo, escadas, corredores, elevadores, dependências, estacionamentos, áreas de lazer e centros de convenções são excluídos da área de construção e da volumetria fixadas para o lugar por lei, como se tais compartimentos, inexistissem.
O aspecto das futuras construções é imprevisível, pois o resultado volumétrico – tamanho dos prédios e número de andares - dependerá do programa hoteleiro, da criatividade dos projetistas e de uma boa calculadora ou software. Quanto maior a proporção entre setores de apoio e áreas dos quartos, maior será a construção. Por exemplo, em lote de 2000m² com potencial construtivo de 4000m², o projeto aumentará na medida do bônus correspondente à área dos cômodos que “não contam”. Portanto, diante de tantos espaços e volumes desconsiderados, afirmar que os parâmetros urbanísticos vigentes serão obedecidos é irreal e enganoso.
Para usufruir dos benefícios, aos quais se somam isenções fiscais, será necessário gravar do uso do edifício com a finalidade hoteleira, isto é, não importam adventos futuros, queda na demanda ou falências: uma vez hotel, sempre hotel, obrigação ilusória por ser imponderável e incontrolável, talvez o motivo pelo qual a lei não preveja sanções pelo seu descumprimento. Para que serve então o gravame?
O pragmatismo remete ao abandono dos hotéis Meridien, Nacional e São Conrado Palace, e ao esqueleto do Gávea Tourist Hotel, todos erguidos à base de privilégios; um deles reaproveitado com a aplicação de recursos públicos, não é mais hotel... Por ironia, na nova lei o Nacional é aquinhoado com benefício extra: a construção, no mesmo terreno, de um centro empresarial desconsiderada a existência da torre cilíndrica no cálculo do potencial construtivo.
Mais estranha é a ausência de estudos técnicos demonstrando que sem tais ofertas os hotéis não seriam construídos, pois a demanda criada com a Copa e os Jogos é real mesmo sendo os eventos passageiros. Por outro lado pretender eternizar usos e atividades é argumento frágil que não resiste aos riscos normais dos negócios e à dinâmica da cidade.
Mais conveniente seria respeitar o os índices urbanísticos e não vedar a transformação de hotéis em residências, escolas e escritórios, por exemplo, caso diminua a procura por hospedagem. Não parece lógico criar privilégios e marcar o perfil do Rio de Janeiro em troca de um suposto proveito para a cidade cujo retorno sequer foi demonstrado.
Variação das emendas órfãs, a nova lei passa ao largo do Plano Diretor e perderá a validade, mas o resultado será perene, bem como a ausência de preciosos recursos públicos dispensados.
*Arquiteta, foi Subsecretária Municipal de Urbanismo(1993-1996) e Presidente do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro(2001-2007).
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